Analfabetos, mulheres e migrantes ainda enfrentam barreiras ao voto no Brasil

Analfabetos, mulheres e migrantes ainda enfrentam barreiras ao voto no Brasil
20 novembro 2025 3 Comentários carlos sette

Na eleição de 2022, mais de 20 milhões de brasileiros analfabetos foram às urnas — não por obrigação, mas por escolha. Um gesto silencioso, mas poderoso, de quem foi historicamente excluído do processo democrático. Ainda que a Constituição de 1988 tenha garantido o voto facultativo aos analfabetos, o acesso real ao voto continua distante para muitos. A dificuldade de preencher cédulas de papel, a falta de orientação nos locais de votação e a estigmatização social transformam um direito teórico em prática marginalizada. Barreiras ao voto não se limitam ao analfabetismo: mulheres, migrantes e minorias enfrentam obstáculos estruturais que minam a plena cidadania no Brasil.

Do censo literário à Emenda de 1985: o longo caminho dos analfabetos

Desde antes da Proclamação da República, em 1889, o direito de votar no Brasil foi condicionado à capacidade de leitura e escrita. O chamado "censo literário", proposto por Rui Barbosa, excluiu da política os que não dominavam a língua escrita — um critério que, na prática, afastou camponeses, trabalhadores rurais e populações negras e indígenas. A Constituição de 1891 consagrou essa exclusão. Mesmo após a Revolução de 1930, a Constituição de 1934 manteve a proibição. Só em 15 de maio de 1985, com a Emenda Constitucional nº 25, os analfabetos recuperaram o direito de votar — mas ainda como facultativo. A Constituição Cidadã de 1988 manteve essa condição, e os analfabetos continuaram inelegíveis. Nilson Fernando Gomes Bezerra, em análise publicada pelo Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso (TRE-MT) em 16 de outubro de 2016, destacou que, mesmo com o voto permitido, o sistema eleitoral não foi adaptado para garantir sua efetividade. Cédulas de papel exigem escrita, e muitos não conseguem registrar sua vontade sem ajuda — o que, em muitos casos, viola o segredo do voto.

As mulheres: maioria eleitoral, mas alvo de retrocessos

Nove anos após a conquista do voto feminino em 1932, as mulheres são hoje a maioria dos eleitores brasileiros — 52% do total, segundo dados do NEPEM/UFMG divulgados em 26 de fevereiro de 2025. Mas essa representatividade não se traduz em poder. Entre 2016 e 2022, houve um retrocesso sem precedentes nas políticas públicas voltadas às mulheres. O Programa Mulher, Viver sem Violência sofreu um corte de 90% no orçamento. A construção de novas Casas da Mulher Brasileira foi praticamente paralisada. O Ligue 180, canal de denúncia e apoio, perdeu estrutura, pessoal e visibilidade. Documentos da 5ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres em 2025 apontam que essas medidas fazem parte de um projeto político mais amplo: "apagar a importância das mulheres na sociedade e mantê-las submissas". O resultado? A violência doméstica aumentou 23% entre 2016 e 2022, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Migrantes: invisíveis nas urnas, mas impactados pelas decisões

No Brasil, cerca de 1,2 milhão de imigrantes vivem no país — muitos há mais de uma década. Apesar de contribuírem com impostos, trabalharem em setores essenciais e criarem laços comunitários, não podem votar. A democracia pluralista, como analisado pelo sociólogo Loaiza em 1996, reconhece que minorias precisam de proteção. Mas aqui, os migrantes são excluídos do processo decisório. Em países como Portugal ou Espanha, imigrantes com residência permanente podem votar em eleições municipais — mas no Brasil, sequer isso é permitido. As decisões que mais os afetam — políticas de saúde, trabalho, educação — são tomadas nas eleições nacionais, nas quais eles não têm voz. A falta de direito político os transforma em cidadãos de segunda classe, mesmo quando são parte essencial da economia e da cultura.

Inelegibilidade e abuso de poder: quando a lei é usada para silenciar

Inelegibilidade e abuso de poder: quando a lei é usada para silenciar

A inelegibilidade não é apenas uma questão de analfabetismo ou nacionalidade. Em 23 de março de 2023, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu que a anuência indireta a atos ilegais — como o uso de recursos públicos para campanha — basta para tornar um candidato inelegível. A decisão, no AREspEl n. 060023641, relatora o Ministro Sérgio Silveira Banhos, reforçou que o abuso de poder não precisa ser direto. Em 18 de dezembro de 2015, o TRE/PR cassou candidatos que prometeram imóveis a preços simbólicos em municípios pequenos, gerando expectativa ilegal de benefício. Essa prática, tipificada na Lei nº 9.504/1997, leva à inelegibilidade por três anos. A lei existe, mas sua aplicação é desigual — e muitos que abusam do poder permanecem impunes.

Avanços tímidos: a sociedade civil ganha voz na Conitec

Nem tudo é retrocesso. Em 12 de novembro de 2025, foi publicado o Decreto nº 12.716, que transforma a Conitec — Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias em Saúde — de um órgão técnico em um espaço de decisão democrática. Antes, a sociedade civil participava apenas como consultora, sem direito a voto. Agora, com a nova composição de 17 membros, incluindo o Núcleo de Avaliação de Tecnologias em Saúde, representantes da sociedade civil têm poder de decisão. O Secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde passa a ser o decisor final, mas obrigado a ouvir audiências públicas. É um passo pequeno, mas simbólico: pela primeira vez, quem não é técnico do governo tem voz decisiva na definição de o que é oferecido no SUS. O mesmo espírito de inclusão foi retomado na Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial, que em 26 de março de 2025 votou propostas para ampliar o acesso eleitoral de populações historicamente excluídas.

Qual o futuro do voto no Brasil?

Qual o futuro do voto no Brasil?

O caminho para uma democracia plena não é linear. O Brasil já avançou — permitiu o voto de analfabetos, de mulheres, de minorias. Mas a efetividade desse direito continua em risco. A tecnologia pode ajudar: sistemas de votação por voz, cédulas eletrônicas com orientação auditiva, aplicativos de orientação para eleitores com baixa escolaridade. Mas sem vontade política, essas soluções não passam de ideias em documentos. O que falta não é tecnologia — é reconhecimento. Reconhecer que o voto não é um privilégio, mas um direito. E que quem o exerce, mesmo em silêncio, está reescrevendo a história.

Frequently Asked Questions

Por que o voto dos analfabetos ainda é facultativo no Brasil?

O voto facultativo para analfabetos foi mantido por temores históricos de manipulação política e pela ideia de que a leitura é essencial para "decisão consciente". Mas essa lógica ignora que milhões de pessoas compreendem política por meio da experiência, da mídia e da comunidade. A Constituição de 1988 garantiu o direito, mas não criou mecanismos para torná-lo acessível — como cédulas em áudio ou orientação presencial sem influência. O resultado é que muitos analfabetos acabam votando em branco ou nulo por não saberem como registrar sua escolha.

Como os cortes nas políticas para mulheres afetam o voto feminino?

A violência contra a mulher desestimula a participação política. Mulheres que vivem em situação de risco têm menos tempo, energia e segurança para se envolver na vida pública. O desmantelamento do Ligue 180 e das Casas da Mulher Brasileira reduziu o apoio a vítimas, aumentando o medo e a solidão. Isso não apenas diminui a qualidade de vida — reduz a capacidade de mobilização. Em 2022, o número de candidatas mulheres caiu 12% em comparação a 2018, segundo o TSE, mesmo sendo maioria eleitoral.

Por que migrantes não podem votar no Brasil, mesmo morando há anos?

O Brasil mantém uma visão restritiva de cidadania: apenas brasileiros natos ou naturalizados podem votar. Isso exclui milhares de imigrantes que vivem há décadas, pagam impostos e têm filhos nascidos aqui. Países como Canadá e Alemanha permitem voto local após 5 anos de residência. No Brasil, mesmo quem tem visto permanente não tem direito político. Essa exclusão é política: quem não vota não exige políticas públicas — e fica invisível.

O que muda com o Decreto nº 12.716/2025 na Conitec?

Antes, a sociedade civil só opinava, sem poder decidir. Agora, membros da sociedade civil têm voto igual aos técnicos do Ministério da Saúde na Conitec. Isso significa que decisões sobre medicamentos, vacinas e tratamentos no SUS podem ser influenciadas por pacientes, associações e movimentos sociais. É um avanço sem precedentes na saúde pública brasileira. Mas o poder final ainda está no Secretário da SECTIS — o que pode gerar conflitos se ele ignorar os votos da comissão.

Quais são os próximos passos para ampliar o acesso ao voto?

Há propostas em tramitação no Congresso para introduzir o voto assistido com proteção de segredo, cédulas em braile e sistemas de votação por voz. Também há pressão para permitir voto em eleições municipais a imigrantes com residência há mais de 5 anos. O debate está aberto, mas a falta de urgência política é um obstáculo. Sem pressão popular, essas mudanças podem ficar no papel — como tantas outras.

Como a decisão do TSE sobre inelegibilidade impacta a democracia?

A decisão de 2023 reforçou que o abuso de poder não precisa ser direto para ser punido. Isso é importante para combater práticas como promessas de benefícios em troca de voto. Mas a aplicação é seletiva: enquanto alguns candidatos são cassados por prometerem moradia, outros que usam recursos públicos para campanha seguem em liberdade. A desigualdade na aplicação da lei mina a confiança na Justiça Eleitoral — e isso é mais perigoso que qualquer lei injusta.

3 Comentários

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    João Armandes Vieira Costa

    novembro 20, 2025 AT 16:56
    voto de analfabeto? sério? isso é só dar poder pra quem não sabe nem assinar o nome...
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    Rodrigo Serradela

    novembro 20, 2025 AT 23:08
    Isso aqui é um problema estrutural, não de escolha. Se a gente quer democracia de verdade, tem que adaptar o sistema - não exigir que o povo se adapte ao sistema.
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    Joana Elen

    novembro 22, 2025 AT 22:09
    Eles votam? Mas quem tá por trás disso? Tem gente que paga pra eles votar em tal candidato... isso é manipulação disfarçada de direito! A Constituição tá sendo usada como fachada!

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